
A novela “Êta Mundo Bom!”, sucesso absoluto de audiência da TV Globo, foi uma das tramas mais aclamadas pelo público nos últimos anos. Escrita por Walcyr Carrasco e exibida originalmente em 2016, a produção combinou elementos clássicos das novelas de época com estratégias narrativas modernas — e uma delas chamou a atenção dos especialistas em dramaturgia: o uso de uma fórmula que remete diretamente à novela “Garota do Momento”, exibida nos anos 1950, considerada um marco da teledramaturgia brasileira.
Mesmo separadas por décadas, as duas produções compartilham uma estrutura narrativa que coloca personagens humildes e sonhadores como protagonistas centrais, enfrentando adversidades até alcançarem a superação e a felicidade. A estratégia de construir uma “jornada do herói” com forte apelo emocional foi reutilizada de forma inteligente em “Êta Mundo Bom!”, o que explica em parte sua conexão imediata com o público.
Inspiração direta: o herói do povo e o drama esperançoso
Na década de 1950, “Garota do Momento” popularizou o arquétipo da mocinha batalhadora que, mesmo diante das injustiças, mantém sua bondade, fé e esperança. O público da época se identificava com as dificuldades retratadas e torcia pelo triunfo da personagem principal. Esse modelo dramático — recheado de antagonistas caricatos, viradas emocionantes e redenção — foi adotado por “Êta Mundo Bom!” com maestria.
O protagonista Candinho, interpretado por Sérgio Guizé, é um espelho desse tipo de personagem. Um homem simples do interior, ingênuo e de bom coração, que busca reencontrar sua mãe e conquistar o amor verdadeiro. Acompanhado de frases otimistas e valores como gratidão, justiça e fé na vida, Candinho conquistou todas as faixas etárias, assim como a mocinha de “Garota do Momento” décadas antes.
Estrutura episódica e vilões icônicos: outra tática replicada
Outro elemento copiado da estrutura de “Garota do Momento” é a construção episódica da narrativa, com pequenos arcos que se resolvem em alguns capítulos, mantendo o público engajado. A cada nova semana, surgem conflitos que avançam a trama principal, sem perder o fio condutor da superação.
Além disso, o carisma dos vilões em ambas as novelas é um ponto de semelhança. Em “Êta Mundo Bom!”, a vilã Sandra (Flávia Alessandra) encarna a típica antagonista clássica: bela, ambiciosa e manipuladora. A personagem segue os moldes das grandes vilãs melodramáticas, inspiradas por figuras semelhantes em “Garota do Momento”. Sua presença dava ritmo e tensão à trama, fazendo o público vibrar a cada derrota sofrida.
Ambientação de época e valores universais
A ambientação rural e retrô de “Êta Mundo Bom!” também remete aos cenários de produções antigas como “Garota do Momento”. A novela de Walcyr Carrasco, dirigida por Jorge Fernando, fez questão de resgatar uma estética nostálgica, com figurinos, músicas e falas típicas do Brasil dos anos 1940, reforçando o sentimento de acolhimento e familiaridade para o telespectador.
Esses elementos contribuíram para que a novela ganhasse status de “conforto emocional” para o público, sobretudo durante sua reprise no “Vale a Pena Ver de Novo”, em 2020, no auge da pandemia de Covid-19. A audiência disparou novamente, mostrando que a fórmula — testada lá atrás em “Garota do Momento” — ainda é eficaz.
A importância da emoção direta
A escolha por apostar em emoções puras, com enredos fáceis de acompanhar e valores morais bem definidos, faz parte da estratégia emocional herdada de “Garota do Momento”. Em tempos de incerteza e tensão social, novelas como “Êta Mundo Bom!” oferecem uma espécie de refúgio ao espectador, com histórias que prometem recompensa para quem age com o coração.
Walcyr Carrasco já afirmou em entrevistas que não há vergonha em emocionar. “O público gosta de sentir. Se você consegue tocar o coração de quem está do outro lado da tela, você venceu”, disse o autor, reconhecendo que bebe na fonte dos clássicos da teledramaturgia.