
A ciência acaba de dar mais um passo rumo ao futuro da medicina: o desenvolvimento de sangue humano criado em laboratório está avançando rapidamente e já é visto como uma possível solução para a escassez crônica de doadores em diversos países. Pesquisadores de instituições renomadas da Europa, dos Estados Unidos e da Ásia têm se empenhado na criação de glóbulos vermelhos artificiais a partir de células-tronco, com resultados promissores em testes clínicos iniciais.
Essa tecnologia, que há poucos anos parecia distante da realidade, está cada vez mais próxima de se tornar uma alternativa segura, eficaz e escalável para transfusões em hospitais e emergências médicas — especialmente em cenários de guerra, desastres naturais e pandemias, onde a demanda por sangue é urgente e os estoques não dão conta.
Neste artigo, entenda como funciona o sangue criado em laboratório, quais são os seus benefícios, os desafios da produção em larga escala e como ele pode impactar o futuro da medicina global.
O que é o sangue criado em laboratório?
O sangue sintético, também chamado de sangue artificial ou sangue cultivado, é produzido em laboratório a partir de células-tronco hematopoéticas — células que possuem a capacidade de se transformar em todos os tipos de células sanguíneas. Essas células são geralmente coletadas do sangue do cordão umbilical, da medula óssea ou do sangue periférico.
Em um ambiente controlado, os cientistas induzem essas células a se diferenciar em glóbulos vermelhos funcionais, que carregam oxigênio para os tecidos do corpo, assim como os glóbulos naturais.
Embora o foco atual esteja na produção de glóbulos vermelhos, estudos também investigam a criação de plaquetas e glóbulos brancos sintéticos, o que ampliaria ainda mais as aplicações clínicas da tecnologia.
Por que o sangue sintético é importante?
A criação de sangue em laboratório surge como resposta à escassez mundial de doações. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas 1% da população mundial doa sangue regularmente, o que está muito abaixo do necessário para atender a toda a demanda global.
Além disso, o sangue natural apresenta diversas limitações, como:
- Necessidade de compatibilidade entre tipos sanguíneos (A, B, AB, O);
- Risco de contaminação por vírus e bactérias;
- Vida útil curta (cerca de 42 dias para os glóbulos vermelhos);
- Limitações logísticas para armazenamento e transporte.
O sangue criado em laboratório, por outro lado, pode ser produzido sob demanda, com maior controle de qualidade, livre de agentes infecciosos e com potencial para ser universalmente compatível no futuro.
Avanços recentes e testes clínicos
Em 2024, pesquisadores do Reino Unido anunciaram o primeiro teste clínico em humanos com sangue sintético, chamado de RESTORE Trial, que utilizou células cultivadas em laboratório em transfusões de pacientes com doenças hematológicas raras, como talassemia. Os resultados iniciais indicaram boa tolerância, eficácia na oxigenação do organismo e ausência de reações adversas.
Outro avanço importante veio do Japão, onde cientistas conseguiram manter os glóbulos vermelhos sintéticos ativos por até 120 dias no organismo, o que representa o dobro da duração média dos glóbulos vermelhos naturais.
Desafios para produção em larga escala
Apesar dos avanços, ainda existem grandes desafios técnicos e econômicos para tornar o sangue de laboratório acessível ao sistema de saúde:
- Alto custo de produção: atualmente, um único litro de sangue sintético pode custar dezenas de milhares de dólares.
- Tempo de produção prolongado: o processo para cultivar um volume significativo de glóbulos vermelhos pode levar semanas.
- Infraestrutura especializada: laboratórios precisam de tecnologia de ponta e ambientes rigorosamente controlados.
- Regulamentação: como todo novo produto biomédico, o sangue artificial precisa passar por uma série de testes e aprovação por agências como a FDA (EUA) e a EMA (Europa).
Futuro do sangue artificial na medicina
Apesar das limitações atuais, especialistas acreditam que o sangue criado em laboratório será realidade nos hospitais na próxima década, inicialmente em casos específicos, como:
- Pacientes com doenças raras que dificultam transfusões tradicionais;
- Cenários de emergência em zonas de guerra ou regiões remotas;
- Estoques emergenciais para pandemias e catástrofes.
Com o avanço da biotecnologia e da inteligência artificial na área médica, a expectativa é que o custo da produção caia drasticamente e que o sangue sintético se torne uma solução complementar às doações humanas, salvando milhares — senão milhões — de vidas no futuro.