
Com troca de farpas, discursos indiretos e tensões ideológicas, Lula e Milei protagonizam um capítulo turbulento na história do Mercosul; veja os principais embates e o que está em jogo
A aguardada reunião de cúpula do Mercosul em 2025 colocou frente a frente dois líderes que simbolizam visões políticas opostas na América do Sul: Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, e Javier Milei, presidente da Argentina. O encontro, marcado por gestos gelados e discursos carregados de indiretas, escancarou uma relação marcada por desconfiança, embates ideológicos e interesses divergentes.
Nos bastidores e nos palanques, os dois líderes já vinham trocando farpas desde antes da posse de Milei, que chegou à presidência com uma retórica ultraliberal e abertamente crítica ao que chama de “socialismo do século XXI” — frequentemente associando Lula a esse espectro político. Do lado brasileiro, o Planalto sempre manteve um tom diplomático, mas também não deixou de responder com firmeza às provocações.
Neste artigo, você confere os quatro principais pontos que explicam a discórdia entre Lula e Milei e como isso afeta o futuro do Mercosul, do comércio bilateral e da integração regional.
1. Choque Ideológico: Esquerda versus Ultraliberalismo
O principal ponto de atrito entre os dois presidentes é, sem dúvida, a profunda diferença ideológica. Lula, histórico líder de esquerda, defende uma política de desenvolvimento social, fortalecimento do Estado e integração latino-americana. Já Milei se elegeu prometendo o contrário: redução do Estado, liberalização radical da economia e um afastamento da “velha política latino-americana”.
Durante sua campanha, Milei chegou a chamar Lula de “corrupto comunista” e disse que não se encontraria com ele. Mesmo após eleito, evitou citar o presidente brasileiro em discursos e manteve relações mais próximas com líderes da extrema direita global, como Donald Trump e Jair Bolsonaro.
Lula, por sua vez, minimizou os ataques, mas deixou claro que não aceitará agressões pessoais nem tentativas de minar a unidade regional com “aventuras ideológicas”.
2. Postura no Mercosul: integração x flexibilização
Outro ponto de discórdia envolve o papel do Mercosul na economia sul-americana. Lula defende a manutenção do bloco como espaço de fortalecimento da integração econômica e política da região, com acordos em bloco, como o com a União Europeia.
Milei, no entanto, critica o Mercosul por considerar que ele impõe “restrições ao livre comércio” da Argentina. O presidente argentino é favorável a uma abordagem mais flexível, em que cada país possa negociar acordos comerciais individualmente, o que ameaça a coesão do bloco e irrita os demais membros — especialmente o Brasil.
Durante a cúpula mais recente, Lula defendeu “a modernização com coesão”, enquanto Milei se manteve frio diante das falas, defendendo que a “liberdade de escolha” é mais importante que a “rigidez burocrática do bloco”.
3. Economia Argentina e dependência do Brasil
Apesar dos discursos duros, a realidade econômica da Argentina força Milei a manter uma relação, mesmo que fria, com o Brasil. Isso porque o Brasil continua sendo o principal parceiro comercial argentino, com destaque para os setores automobilístico, agrícola e energético.
Lula sabe disso — e usa o argumento da interdependência econômica para manter a diplomacia viva. O presidente brasileiro também atua em bastidores do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e do Banco dos BRICS, de onde a Argentina busca apoio.
Ainda assim, Milei tem demonstrado preferência por buscar alinhamento com os Estados Unidos e Israel, deixando a América do Sul como uma opção secundária em sua agenda externa — algo que incomoda Brasília.
4. Farpas públicas e silêncio diplomático
Desde a eleição de Milei, os episódios públicos de desentendimento se acumulam:
- Milei chamou Lula de “presidiário de esquerda” durante debates e entrevistas;
- O Planalto evitou enviar representantes à posse de Milei, após o presidente argentino desdenhar da presença de Lula;
- Lula e Milei não haviam se falado diretamente até o encontro no Mercosul em 2025, mesmo após meses de tentativas diplomáticas para um diálogo formal;
- Durante a cúpula, os dois evitaram fotos juntos, cumprimentos calorosos ou declarações públicas conjuntas.
Apesar da troca de farpas, fontes diplomáticas revelam que existe um canal técnico aberto entre as chancelarias, para evitar prejuízos maiores ao comércio bilateral e à política externa de ambos os países.
Conclusão: cooperação possível, mas difícil
O encontro entre Lula e Milei na reunião do Mercosul expôs, mais uma vez, a dificuldade de conciliar visões de mundo tão distintas. Enquanto Lula aposta na diplomacia e na integração sul-americana, Milei representa um modelo de ruptura com os valores históricos do bloco.
A boa notícia é que o pragmatismo econômico ainda pode falar mais alto. A necessidade de cooperação comercial e a pressão de empresários e setores produtivos podem forçar ambos os governos a manterem o diálogo — ainda que em tom frio.
O futuro do Mercosul, por ora, dependerá da capacidade dos países-membros de superar suas diferenças e preservar o que o bloco tem de mais valioso: a força da união regional diante de um cenário global cada vez mais instável.