
O escorbuto, doença causada pela deficiência de vitamina C que dizimou marinheiros entre os séculos XVI e XVIII, está ressurgindo em pleno século XXI. Uma publicação recente no BMJ Case Reports descreveu um caso grave em um australiano de 51 anos — sem recursos para manter uma alimentação adequada — que desenvolveu sintomas clássicos da enfermidade, como erupções dolorosas, inchaço das pernas e anemia, até a internação hospitalar para tratamento intensivo com suplementos vitamínicos.
Embora considerado raro em países desenvolvidos, o escorbuto tem retornado em populações vulneráveis, sobretudo em contextos de insegurança alimentar. Entenda abaixo o que está por trás desse ressurgimento, quais são os sinais de alerta e como a prevenção simples — mas muitas vezes inacessível — pode salvar vidas.
O que é o escorbuto e por que ele matou tantos séculos atrás
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Definição: deficiência grave de vitamina C (ácido ascórbico), essencial para a síntese de colágeno, cicatrização e manutenção dos vasos sanguíneos.
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Histórico: entre as Grandes Navegações e o início da era moderna, a falta de frutas e vegetais frescos em longas viagens marítimas levou ao escorbuto como principal causa de morte a bordo.
Sem ingestão adequada de vitamina C, os níveis de colágeno caem, provocando fragilidade capilar, edemas, dores articulares e, em estágios avançados, hemorragias internas que podem levar ao óbito.
Fatores do ressurgimento em pleno século XXI
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Insegurança alimentar e pobreza: o caso relatado na Austrália envolveu um paciente que, por falta de recursos, deixou de consumir frutas, vegetais e suplementos prescritos; esse cenário não é isolado em comunidades de baixa renda.
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Má alimentação em hospitais e lares: dietas restritas ou negligenciadas durante longos períodos de internação podem precipitar o escorbuto em adultos e até em crianças.
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Condições clínicas cronológicas: pacientes com transtornos alimentares, alcoolismo, doenças gastrointestinais ou em recuperação de cirurgias que afetam a absorção de nutrientes ficam mais susceptíveis.
Sinais e sintomas de alerta
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Manifestações iniciais: fadiga inexplicada, irritabilidade, dor muscular e fraqueza geral.
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Estágio avançado:
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Petequias e hematomas espontâneos na pele;
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Edema e dor articular intensa, especialmente em pernas;
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Gengivite, sangramentos gengivais e mobilidade dentária;
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Cicatrização lenta de feridas e maior risco de infecções.
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Em casos graves, pode ocorrer choque séptico devido a hemorragias sistemáticas.
Diagnóstico e tratamento
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Diagnóstico clínico e laboratorial: a suspeita baseia‑se no quadro de má nutrição e sintomas característicos; exames de sangue confirmam níveis baixos de ácido ascórbico.
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Tratamento:
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Suplementação imediata de vitamina C — doses orais ou endovenosas, dependendo da gravidade;
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Reposição de outros nutrientes (vitamina D, ácido fólico e multivitamínicos) conforme necessidade clínica;
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Acompanhamento nutricional para retorno a uma dieta equilibrada com frutas cítricas, verduras e legumes frescos.
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Os sintomas agudos podem regredir em menos de 24 horas após início da terapia, embora a recuperação completa leve semanas.
Escorbuto pediátrico: triplicou entre 2016 e 2020
Uma análise publicada em periódicos médicos dos Estados Unidos revelou que os casos de escorbuto em crianças triplicaram de 2016 a 2020. O estudo associou maior risco a condições como obesidade, transtorno do espectro autista e baixo status socioeconômico, reforçando a urgência de políticas públicas voltadas à segurança nutricional infantil.
Prevenção: barreiras ainda difíceis de superar
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Acesso à alimentação saudável: garantir frutas e verduras frescas em regiões remotas ou carentes é desafio constante.
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Educação nutricional: conscientizar sobre a importância da vitamina C para a saúde geral.
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Suplementação estratégica: em populações de risco, programas governamentais podem fornecer comprimidos de vitamina C.
Sem essas medidas, o retorno do escorbuto deixará feridas abertas não só na pele, mas também em sistemas de saúde pública já sobrecarregados.
Conclusão
O ressurgimento do escorbuto, há muito considerado “doença do passado”, é um alerta urgente de que a insegurança alimentar e a falta de educação nutricional podem levar a mortes evitáveis. A pesquisa publicada no BMJ Case Reports e o aumento de casos pediátricos demonstram que monitorar a ingestão de vitamina C é tarefa essencial para governos, profissionais de saúde e sociedade civil.